Mas, antes, devo te contar certas coisas... Coisas de tudo, enquanto incompleto, e tudo ainda sou eu. Se o amor existe, ele se esconde nessas coisas (talvez à espera da devida introdução). Às vezes, por exemplo, eu fico calado. Irremediável. E não há o que explicar... Acontece. Um mergulho absorto. A inércia mais que urgente. Não cisme. Não interprete. Não te doas do meu silêncio. Pode achegar, pode encostar, pode mesmo adentrar em meu colo... Mas nem tente. A coisa dita. O silêncio é meu santuário. Mesmo os gestos, mesmo os olhos. Cala-os. Preze o nãodito. Eu existo, meu bem... E tua recíproca me basta. Não quero consolo. Não quero vigília. A vigília ainda é uma questão. Não tendo hora pra voltar, volto revigorado, juro que volto. Isso, é claro, se eu não me perder... Acontece. Me perco fácil. Fácil e sem aviso. Me perco por tantos sentidos o juízo já não me atinge. Pois brinco. Com o perigo. No limiar do irreversível. E se me levarem a sério... Não o faça. Não me permita. Não têm fundo de verdade. Minhas brincadeiras têm fundo falso, cheio de coelhos. Brinco com meus medos sob a forma de sarcasmo. Truque barato. Não desperdice. Nem mesmo um irônico aplauso. Diga “como você é bobo”, e eu a endosso, pois bem sei. Sou bobo. Mas teimo elegante. Até que o bobo me escapa... Acontece. De repente, um nada. O bonde da vida não passa. Estou dez, vinte, trinta anos atrasado... E o que me define ainda vaza, sem lembrança que me valha. Só resta o testemunho do que vou deixando de ser... Acontece. É minha sina. Vou de encontro à próxima queda. E nada se altera. Tudo é vazio. Tudo já houve. Só você é por vir... Só você me desmente em cada parte que me toca. Meu vazio se dispersa, minha dor se acovarda. Entre variações de calor e umidade, um teorema se revela: diretamente proporcional à área em contato dos corpos. Mas não podemos viver só de amor, alguém dirá contando as horas. E esse, que o diz, jamais será eu a dizer... Acontece. Tudo passa. O fim já nos ameaça. É a norma vigente do mundo, em que estamos inclusos, mesmo refugiados. Mesmo ainda adorável... Me recuso a estar de passagem. Me exilo em promessas do eterno, mas a tirania do tempo me acha. E assim vou me vertendo. Sou cada vez menos. Sou o alheio remoído, curador de um tempo ido. Monumento do vivido, sombra pairando o viver... Acontece. Às vezes, por decreto. O fim da minha juventude, da minha cota sobre o eterno: mil anseios de aventura sucumbindo neste corpo velho. Ser ou não ser (dilema de quem ainda é). São teus seios revogando a Newton, sou eu me revogando o término. A essa altura, eu podia ser teu pai. Desconheço o que te fez o tempo. Às vezes ainda me reconheço naquele que você conheceu. Anos a mais, anos a menos. Por que atribuir parentesco? Não há razão. Não há pudores. E nunca houve dinheiro. Minha ganância é de um absurdo diverso: quase tudo eu já não preciso. De resto, uma kit me cabe. Um frigobar, quem sabe? Felicidade... Acontece. Nem sei mais o que estou dizendo. E isso, definitivamente, é o que mais me acontece...

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