Mas antes de
tudo houve a inocência. Até que veio a vontade... Além do ensejo. Além do enfado. Além de mim e ao meu encontro. E toda a vida se sucede sem nome mais apropriado: primeiro amor é
para sempre... Talvez o único de fato. Era a sobrinha da vizinha ao lado, tão
logo ao lado e tão pouco esteve, as férias de julho acabando, arredores de meus
treze, o vento perseguia meu corpo, eu perseguia seus olhos verdes, entre
brincadeiras e descobertas, já tão infantes, já tão pequenas, já estava a negar
todas elas quando conveio o esconde-esconde: meninas e meninos juntados, meninada
de todo o bairro, sorte tirada entre os presentes, contava até trinta o condenado,
e punha pra correr o restante rumo aos esconderijos mais sagrados, fé que se
fazia em corrida, só eu renunciando o passo, era o mais rápido por fim na
malícia e, excomungado, dava adeus aos beatos... Quando ela então me alcançou,
quando o ímpeto então me moveu, cada dedo entrelaçado como enredo do próprio
destino, menina vem comigo: você nem hesitou... E, a mim entregue, vida à minha
atrelada, teus desvios sob meus desejos, entre as veredas da velha praça, improvisei
dois arbustos à margem, você e eu e um caminho no meio (quem escondeu,
escondeu, quem não escondeu, lá vou eu...) Sombras de silêncio. Ânsias de
salvação. No espaço vulnerável entre nós, espiávamos o perigo iminente. Veio um
riso. Veio outro. Mordendo o próprio lábio em juízo. Éramos espiões recíprocos.
Espiões recíprocos declarados. E no silêncio ansiando entre a gente, a salvação
ali mesmo nas sombras, um sorriso mais vago e insolente veio a extinguir toda a
praça: mais perto, mais perto, troco o jogo sem avisar, no vulnerável agora me
arrisco, você há de me adivinhar, no que quero, ainda não tive, bem sabe que
sempre foi meu, e se não sabe, se não te ocorre, o que ao meu encontro te move,
senão a vontade inédita, senão o sentido de tudo... Tarde demais.
Fomos descobertos. Você corre, todos correm, me deixando para trás. Conto até trinta, e conto por anos, condenado que ainda me acho. Tudo já houve. Eu o procuro. É o itinerário noturno. Nesse passado, a cada noite mais vasto, não o acho em lugar algum. Meu primeiro beijo não foi. E o que foram todos os beijos seguintes? Um resgate
interminável. Vingança. Miragens...