Meu caso é a poesia. É o que eu tenho imutável. Fui antes de tudo poeta, vigilante de bares e praças, um prestador de versos aos necessitados de alma. Por quanto, eles perguntavam. Desconfiavam do gesto. Mas eu só precisava do básico: por quanto os senhores puderem… Até que então houve o roubo. Minha dignidade arrancada. A realidade a invocava, e você me contava que havia crescido. Que não podia mais com essa vida; que depois dos 30, todo hippie é mendigo. Minha poética? Pedante e rasa, só rimava, não comovia – não mais que uma canção de ninar, você me disse naquele dia. Poeta da crueldade, você era a artista. Tuas palavras me roubaram tudo, tudo que ainda iludia, insensíveis a esta vida que é a própria ilusão. Roubo seguido de morte. Todo o repúdio à assassina. Sua bomba de efeito moral atingiu fatalmente minha utopia. Reencarnei num assalariado. Aderi ao happy hour. E hoje, nas praças e nos bares, sou o maior inimigo dos mendigos da rima.