Meu caso é a poesia. É o que tenho imutável. Fui antes de tudo poeta, de noite a noite, incansável. Poeta de bares e praças ao resgate de alienados, oferecia de bom grado meus versos aos necessitados de alma. Por quanto, eles perguntavam. Desconfiavam do gesto. Mas eu só precisava do básico, por quanto os senhores puderem...
Até que então houve o roubo: minha dignidade arrancada. Você... Você cresceu! A realidade a invocava. E não podia mais com essa vida, com quase trinta! não caía bem. E eu, já além do quase, parecia que mendigava: a paciência, a piedade, a própria poesia... Ridículo, você me via, vestido de pretensão. Minha poética? Pedante e rasa. Só rimava. Não comovia. Não mais que canções de ninar, você me disse naquele dia... Poeta da crueldade, você era a artista. Tuas palavras me roubaram tudo, tudo que ainda iludia, insensíveis a esta vida que era a própria ilusão. Roubo seguido de morte. Todo o repúdio à assassina. Tua bomba de efeito moral foi fatal na minha utopia. Reencarnei num assalariado. Aderi ao happy hour. E, ao menor sinal de ameaça, eu mesmo enxotava os mendigos da rima.