Na cozinha, você me flagra.
A faca em punho, conduzindo a fatia, a maçã paciente sendo devorada... Rompe a minha vigília. Sou o guardião da madrugada. Estou sempre ainda acordado na luz acesa pela casa. Recostando à entrada, doces olhos inchados, você então me encara. À mesa sentado, pernas cruzadas, a maçã paciente sendo devorada... Teu roupão lilás me veste. Irresistível, você sorri: “é a visão mais sexy que nunca ousei imaginar”. Sim, uma brincadeira. Mas, antes, é comovente verdade. Nesta eu me apego. Prepotente, não digo nada. Sorrio breve, cafajeste, a maçã paciente sendo devorada... Mas a verdade é maior. Turva. Descabelada. Minha camisa te veste, tua nudez lhe escapa. Tão palpável e fragilizada em sono, meus mais eróticos e afetuosos sonhos, insônia afora me acenando. E eu assisto. Eu assisto... Às mais longas pernas de que fui cativo girando, lânguidas, em retirada. Um beijo soprado te devolve à nossa cama: logo eu também vou. Cada vez mais longe da verdade, ainda sob teu roupão.