O que é para sempre eu quero desde agora. Se não foi em longas pernas, que venha por coxas grossas. Te adivinho atrás da porta e quase a tempo te alcanço, tantos anos rastreando teu percurso pela casa. Em cada vão que eu atravesso, me atravessa um desacerto. Ou você perdeu a hora ou há um erro no meu cálculo. Vou adiando o desencontro, te buscando em outros cômodos, e esqueço fatalmente a luz acesa deste quarto. Dou a volta, a luz me acena. Te adivinho então de novo: debruçada sobre a cama, só os óculos te vestem. Fecho os olhos e vejo tudo, o livro em mãos, a noite em pele, mas assim que espio o mundo a claridade me desmente. Arrebento o abajur. A esperança é uma penumbra. Toma a forma do edredom o teu último refúgio. Me atiro sob as ondas, procurando esse naufrágio, e me afogo, inevitável, no oceano de uma ausência. Estirado em chão remoto, desperto ao fundo de mil anos. Entre ecos do teu corpo, estou só no meu abraço. Me revisto toda a pele, me arranho em teus percursos: sou o último delírio desse crime já sem provas.